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Delação premiada é usada até para “esquentar” prova ilícita

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O vazamento de depoimentos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa à Justiça trouxe de volta às manchetes o termo “delação premiada”. Também envolvido em escândalos, o doleiro Alberto Youssef, preso na operação lava jato (que desmontou um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas), da Polícia Federal, diz estar analisando se deve ou não colaborar com o Ministério Público em troca de benefícios como a redução de pena. A colaboração de outros acusados colocam mais pressão sobre o doleiro, mas seu advogado, Antônio Figueiredo Basto, já disse ser contra a delação premiada.

Previsto em diversas leis brasileiras, o instituto da delação premiada não é nenhuma novidade no ordenamento jurídico, mas sempre que é utilizado levanta questionamentos. Há quem defenda que o MP, ao propor esse tipo de acordo, busca na verdade “esquentar” provas obtidas de forma ilícita. A ideia, acusam, é colocar alguém para falar aquilo que o órgão já sabe, mas não pode afirmar porque obteve de forma ilegal, como por escutas não autorizadas.

O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini, do Bottini e Tamasauskas Advogados, explica que há casos em que a delação pode ser uma estratégia relevante. “Não rechaço a delação, mas acho que ela deve ser usada em situações muito específicas, com toda a cautela.” De acordo com Bottini, as declarações do delator não tem grande valor probatório. “O que importa são os documentos que ele traz, ou as pistas que da para a elucidação de questões relevantes”, complementa.

Crítico à acusação entre ex-comparsas, o advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes, vê uma inversão de valores, pois quanto pior o crime cometido — e depois delatado — melhor será a recompensa oferecida. “O Ministério Público, o policial e o juiz cooperam com o apóstolo mefistofélico corrompido, numa trama diabólica, sim, porque se irmanam no pecado do facínora, protegem-no, deambulam com o próprio, ouvem-lhe a confissão e o perdoam, como se fora o sinal da cruz de um velho e desavisado Rasputin”, diz Leite Fernandes, em artigo publicado neste sábado, na revista eletrônica Consultor Jurídico.

Eduardo Kuntz, da Kuntz Advocacia e Consultoria Jurídica, afirma que os critérios da delação premiada são extremamente subjetivos. “Muitas vezes me pergunto o que seria melhor: saber muito e poder contribuir ou efetivamente não saber nada e deixar claro que a acusação é uma ilação sem fim?”, questiona. Para Kuntz, a delação mostra uma inversão da Justiça: “Ora, na primeira situação, talvez, alguém que realmente esteja envolvido com o crime pode ser ‘contemplado com a benevolência das autoridades’ e, na segunda situação, um inocente completo terá que ‘provar sua inocência’”.

Para o criminalista, a delação premiada mais parece uma “gambiarra” para corrigir excessos cometidos, principalmente na fase de inquérito. “Sem desrespeitar os bons profissionais, me parece que se os investigadores dos crimes e os fiscais da lei realmente investigassem antes de prender e fizessem um efetivo filtro antes de denunciar, não estaríamos falando de delação”, afirma.

A advogada Heloísa Estellita também se posiciona contrária ao instituto. “Qualquer que seja o procedimento adotado, um magistrado jamais deveria ‘negociar’ nada com uma pessoa que irá julgar. Tal proceder confronta com a imparcialidade que a Constituição exige do julgador”, explica. Ela, que afirma nunca ter participado de uma delação, questiona também o caráter sigiloso do acordo. “Isso sempre foi assim, mesmo antes da Lei 12.850/2013[a mais recente norma a regular a delação premiada]”, explica.

Sigilo

A questão do sigilo também foi contestada na operação lava jato. Após a imprensa divulgar informações dadas pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa em depoimento à Polícia Federal e ao Ministério Público, em acordo de delação premiada, os parlamentares da CPI da Petrobras solicitaram que Costa fizesse um depoimento também no Congresso.

Antes do encontro — no qual Costa se recusou a responder todas as perguntas — o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que todo acordo de delação premiada “impõe sigilo a todos os envolvidos” e que, por lei, ninguém pode relatar o seu conteúdo. O sigilo, no entanto, parece valer para a CPI e para declarações oficiais, uma vez que os depoimentos continuam vazando na imprensa.

Acordo inseguro

Marcelo Feller, do Feller|Pacífico advogados, observa que a delação premiada é muito insegura para o investigado. Como a legislação não garante os benefícios, falando que o juiz poderá reduzir a pena ou conceder o perdão, a eficácia da delação depende de sua efetividade.

“Se o delator conta tudo que sabe e, mesmo assim, o Estado não consegue fazer o vínculo entre as pessoas indicadas e o cometimento de crime, o delator poderá não ter sua pena reduzida, ou não ter concedido o perdão judicial e, mesmo assim, ficar para sempre com a pecha de delator, dedo-duro”, diz. Além disso, ele aponta que o investigado corre o risco de fazer o acordo com o Ministério Público e o acordo não ser homologado pelo juiz.

Feller explica, ainda, que a Lei 12.850/2013 prevê a retratação da delação e o Ministério Público não pode utilizar aquelas provas contra o delator. As provas poderão ser utilizadas somente contra as pessoas que foram delatadas. “Ou seja, o delator pode acabar não tendo qualquer benefício e, mesmo assim, ter se colocado em risco (físico e moral) por ter feito a delação. Afinal, como disse o ministro Ayres Britto, no julgamento do HC 99.736, ‘o delator assume uma postura sobremodo incomum: afastar-se do próprio instinto de conservação ou autoacobertamento, tanto individual quanto familiar, sujeito que fica a retaliações de toda ordem’”.

Exatamente em razão dessa falta de segurança que Feller justifica nunca ter aconselhado um cliente a fazer delação. O advogado lembra que há diversos casos em que o delator, mesmo quando teve o direito reconhecido, precisou impetrar Habeas Corpus para ver reconhecido o seu direito. Como exemplos cita os Habeas Corpus HC 151.918, HC 90.962, e HC 97.509, julgados no STJ; e o HC 99.736, julgado no STF.

A criminalista Maíra Beauchamp Salomi, do Márcio Thomaz Bastos Advogados, reforça que o problema da delação, no Brasil, é a falta de segurança jurídica para o delator.  “A lei não traz critérios claros e quem negocia é o MP. Ele precisa primeiro saber quais são os fatos que você tem para relatar, para depois analisar quais seriam os benefícios que poderia dar. E mesmo assim, quem decide se os benefícios serão mesmo dados é só o juiz, que inclusive pode discordar de tudo e te tratar como um acusado qualquer”, afirma. Maíra conta que além da insegurança, existe um problema ético no instituto, pois ele é baseado na mais pura traição.

Sem efeito

A insegurança no instituto da delação premiada se mostrou evidente no caso do doleiro Alberto Yousseff. Na última quarta-feira (17/9), o doleiro foi condenado a quatro anos de prisão pelo crime de corrupção ativa no caso Banestado. A decisão é do juiz Sergio Fernando Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, o mesmo que é responsável por julgar a operação lava jato.

A ação penal, que também incluía acusação pelo crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, foi originariamente proposta em 2003 pelo Ministério Público Federal, mas foi suspensa após acordo firmado entre o doleiro, o MPF e o Ministério Público do Paraná. Porém, após a deflagração da operação lava jato, o acordo foi suspenso a pedido do MPF e o processo foi retomado.

Ao justificar o pedido para suspender a delação premiada feita em 2004, o Ministério Público, com base nas informações da operação lava jato, concluiu que o doleiro não contou tudo que sabia, e que a nova operação mostra que de lá para cá ele expandiu seus negócios.

Na decisão, o juiz Sergio Moro chamou Youssef de “criminoso profissional”. “[O doleiro] teve sua grande chance de abandonar o mundo do crime com o acordo de colaboração premiada, mas a desperdiçou, como indicam os fatos que levaram à rescisão do acordo”, acrescentou o juiz.

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